domingo, 30 de janeiro de 2011

Rebú



Ontem fui ao teatrro e óbvio que vou compartilhar com vocês esse momento.

Saí de casa achando que ia ver um" teatrão", termo que uso para espetáculos quadrados que não trazem nada de novo. Enganei-me, Rebú é arrebatador.

Com um trama simples que remete ao estilo dos folhetins de época: os recém-casados Bianca e Matias tem sua felicidade conjugal atrapalhada pela chegada da sorumbática Vladine, irmã de Matias que supostamente se encontra à beira da morte. Ranzinza e cheia de exigências, a megera enlouquece a cunhada com suas demandas impossíveis. Como se não bastasse, ainda traz consigo outro hóspede cheio de particularidades: Nathaniel – falar mais sobre ele é estragar uma excelente surpresa. Mas nada como um dia depois do outro. Bianca aguenta as desfeitas calada, até o dia em que descobre algo que usará sem piedade contra Vladine. No meio do fogo cruzado entre as duas mulheres de sua vida, Matias não percebe a bomba-relógio prestes a explodir. E o público, tão indeciso quanto ele, terá dificuldades em eleger uma vilã.

Um espetáculo com direção, cenografia e toda concepção teatral cuidadosamente pensada de modo a potencializar e ressaltar a interpretação dos atores. Sobre um tablado de madeira vazio, com apenas uma cortina ao fundo e tendo a iluminação como principal recurso dramático, os ótimos Carolina Pismel, Júlia Marini, Paulo Verlings e Diego Becker se digladiam numa história repleta de jogos de poder, rompantes de ciúme, promessas de amor e fidelidade, segredos tenebrosos e reviravoltas melodramáticas – sem contar a deliciosa pitada de surrealismo inserida pelo personagem Nathaniel.

A direção firme e precisa de Vinícius Arneiro entrega um espetáculo vibrante e cheio de tensão, mas igualmente temperado por um humor bastante refinado. Num equilíbrio perfeito entre o trágico e o cômico, o espetáculo mantém o espectador de olhos bem abertos para a explosão de variadas emoções que brotam de cada um dos atores, numa encenação que certamente os deixa esgotados fisicamente, dada a intensidade com que eles se entregam à cena.

Também não se pode deixar de notar a beleza das partituras de movimentos, que muitas vezes se assemelham a passos de tango ou dança flamenca (explorada por conta do tablado de madeira). Mais do que uma mera coreografia, a movimentação dos atores em cena parece captar o espírito de intenso drama dessas artes. A iluminação – perfeita! – busca inspiração no cinema, em especial no expressionismo alemão, e diz muito mais com suas luzes e sombras do que qualquer cenário ou acessório decorativo.

Rebú é um espetáculo, no real e completo sentido da palavra, e tem que ser visto por todos, mas sobretudo por quem trabalha com linguagem teatral. É uma aula.

Hoje é a última oportunidade, se você está no Rio de Janeiro, tenha certeza que vale muito ir ao Centro Cultural da Caixa no largo da carioca.

Rebú - Centro Cultural da Caixa - Rio de Janeiro 
Av. Amirante Barroso, 25 , Centro ( Metrô Carioca)
19 horas
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia) 
Bilheteria: de 10h as 20h.  
Fone 21 2544 4080 


Soneto a Katherine Mansfield




Aproveitei a quente tarde de sábado no Rio de Janeiro para visitar os sebos da praça Tiradentes em busca do que acabei encontrando.

Comprei um livro de Katherine Mansfield, autora nascida em 1888, na Nova Zelândia, e educada na Inglaterra.

"Bliss" (Felicidade) foi publicado no Brasil nos anos 50, na época em que a Globo editava autores clássicos traduzidos por grandes escritores. A tradução belíssima. impecável, é do escritor gaúcho Érico Veríssimo, autor de best-sellers nacionais como O Tempo e o Vento. Incidente em Antares e Solo de Clarinete. Reeditado pela Nova Fronteira no início dos anos 70, este volume está, há tempos, esgotado. Consegui  a edição da década de 50. Um belo livro de contos.

Os meus contos preferidos são:  "Casa de Bonecas"que retrata o ambiente acanhado da cidade natal da autora: em torno de uma brincadeira, explodem os preconceitos e fixações de uma sociedade provinciana. " A Festa no Jardim" onde a autora cria ambientes da Nova Zelândia, no transcurso de um episódio corriqueiro, a festa, abre-se a questão da vida e da morte. E "A Mosca", um rápido e derradeiro sobrevôo, o vislumbre dos horrores da guerra que tanto angustiou e deprimiu a escritora em seus últimos anos.

Conheci  Katherine Mansfield através de Clarice Lispector, sua leitora. Poucos sairão incólumes depois de conviver algumas páginas com a prosa de Katherine Mansfield. Provavelmente, o leitor repetirá o gesto de Clarice Lispector em alguma livraria empoeirada. Uma breve e suave pausa no abrasivo noticiário destes dias.

Os críticos acham difícil definir a arte de Katherine Mansfield, considerada a maior contista de língua inglesa de sua geração. Para qualquer leitor, em todo caso, sobressai sua sensibilidade, sua extrema delicadeza e sua habilidade de dizer muito em poucas palavras. Palavras vivas, espontâneas, simples. Personagens reais, incrivelmente reais em sua trivialidade. Uma aula de canto.




Soneto a Katherine Mansfield

Vinicius de Moraes


O teu perfume, amada — em tuas cartas
Renasce, azul... — são tuas mãos sentidas!
Relembro-as brancas, leves, fenecidas
Pendendo ao longo de corolas fartas.

Relembro-as, vou... nas terras percorridas
Torno a aspirá-lo, aqui e ali desperto
Paro; e tão perto sinto-te, tão perto
Como se numa foram duas vidas.

Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
Tanto rever-te, tanto!... e a primavera
Vem já tão próxima! ...(Nunca te apartas

Primavera, dos sonhos e das preces!)
E no perfume preso em tuas cartas
À primavera surges e esvaneces.
  

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

"Quando morri,um dia abri os olhos e era Brasília..." C.L.


Brasília é construída na linha do horizonte. – Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar, e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. – Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas de digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério. – Quando morri,um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer. – Lucio Costa e Oscar Niemeyer, dois homens solitários. – Olho Brasília como olho Roma: Brasília começou com uma simplificação final de ruínas. A hera ainda não cresceu. – Além do vento há uma outra coisa que sopra. Só se reconhece na crispação sobrenatural do lago. – Em qualquer lugar onde se está de pé, criança pode cair, e para fora do mundo. Brasília fica à beira. – Se eu morasse aqui, deixaria meus cabelos crescerem até o chão. – Brasília é de um passado esplendoroso que já não existe mais. Há milênios desapareceu esse tipo de civilização. No século IV a.C. era habitada por homens e mulheres louros e altíssimos, que não eram americanos nem suecos, e que faiscavam ao sol. Eram todos cegos. É por isso que em Brasília não há onde esbarrar. Os brasiliários vestiam-se de ouro branco. A raça se extinguiu porque nasciam poucos filhos. Quanto mais belos os brasiliários, mais cegos e mais puros e mais faiscantes, e menos filhos. Não havia em nome de que morrer. Milênios depois foi descoberta por um bando de foragidos que em nenhum outro lugar seriam recebidos; eles nada tinham a perder. Ali acenderam fogo, armaram tendas, pouco a pouco escavando as areias que soterravam a cidade. Esses eram homens e mulheres menores e morenos, de olhos esquivos e inquietos, e que, por serem fugitivos e desesperados, tinham em nome de que viver e morrer. Eles habitaram as casas em ruínas, multiplicaram-se, constituindo uma raça humana muito contemplativa. – Esperei pela noite, noite veio, percebi com horror que era inútil: onde eu estivesse, eu seria vista. O que me apavora é: é vista por quem? – Foi construída sem lugar para ratos. Toda uma parte nossa, a pior, exatamente a que tem horror de ratos, essa parte não tem lugar em Brasília. Eles quiseram negar que a gente não presta. Construções com espaço calculado para as nuvens. O inferno me entende melhor. Mas os ratos, todos muito grandes, estão invadindo. Essa é uma manchete nos jornais. – Aqui eu tenho medo. – Este grande silêncio visual que eu amo. Também a minha insônia teria criado esta paz do nunca. Também eu, como eles dois que são monges, meditaria nesse deserto. Onde não há lugar para as tentações. Mas vejo ao longe urubus sobrevoando. O que estará morrendo meu Deus? – Não chorei nenhuma vez em Brasília. Não tinha lugar. – É uma praia sem mar. – Mamãe, está bonito ver você de pé com esse capote branco voando (É que morri, meu filho). – Uma prisão ao ar livre. De qualquer modo não haveria pra onde fugir. Pois quem foge iria provavelmente para Brasília. Prenderam-me na liberdade. Mas liberdade é só que se conquista. Quando me dão, estão me mandando ser livre. – Todo um lado de frieza humana que eu tenho, encontro em mim aqui em Brasília, e floresce gélido, potente, força gelada da Natureza. Aqui é o lugar onde os meus crimes (não os piores, mas os que não entenderei em mim), onde os meus crimes não seriam de amor. Vou embora para os meus outros crimes, os que Deus e eu compreendemos. Mas sei que voltarei. Sou atraída aqui pelo que me assusta em mim. – Nunca vi nada igual no mundo. Mas reconheço esta cidade no mais fundo de meu sonho. O mais fundo de meu sonho é uma lucidez. – Pois como eu ia dizendo, Flash Gordon... – Se tirasse meu retrato em pé em Brasília, quando revelassem a fotografia só sairia a paisagem. – Cadê as girafas de Brasília? – Certa crispação minha, certos silêncios, fazem meu filho dizer: puxa vida, os adultos são de morte. – É urgente. Se não for povoada, ou melhor, superpovoada, uma outra coisa vai habitá-la.
[...]

Clarice Lispector

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Nossa Senhora do Silêncio


 Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos.
É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio.
Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.
Eu não sei quem tu és.
Que espécie de vida tens?
Que modo de ver é o modo como te vejo?
Como não te sonhar?
Como não te sonhar Senhora das Horas que passam?
Madona das águas estagnadas e das algas mortas.
Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa. Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono.
Livra-me da religião, porque é suave; e da descrença porque é forte.
Rezo a ti o meu amor porque o meu amor é já uma oração; mas nem te concebo como amada, nem te ergo ante mim como santa.
Só tu, sol que não brilhas, alumias as cavernas, porque as cavernas são tuas filhas.
Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta.
Sê a Noite Total e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de distância e negação...
Seja eu as dobras do teu manto, as jóias da tua tiara, e o ouro outro dos anéis dos teus dedos.
Realizadora dos absurdos. Que o teu silêncio me embale, que o teu mero-ser me acaricie e me amacie e me conforte Anjo da Guarda dos abandonados.
Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Mas tu, na tua vaga essência, não és nada.
Não tens realidade, nem mesmo uma realidade só tua. Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. Ocupas o intervalo dos meus pensamentos. Por isso eu não te penso nem te sinto.
Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua.

Fernando Pessoa


O Tempo...Lavoura Arcaica, Raduan Nassar


 O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; o tempo está em tudo.

Rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é;  pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas, não bebendo do vinho quem esvazia num só gole a taça cheia; mas fica a salvo do malogro e livre da decepção quem alcançar aquele equilíbrio, é no manejo mágico de uma balança que está guardada toda a matemática dos sábios, num dos pratos a massa tosca, modelável, no outro, a quantidade de tempo a exigir de cada um o requinte do cálculo, o olhar pronto, a intervenção ágil ao mais sutil desnível.

O tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem sossego, a paz aos intranqüilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores(..)`

(Trecho de Lavoura Arcaica – Raduan Nassar)



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Run Lola Run - Onde o tempo é o dono da história



Três possíveis finais diferentes. Ou podemos dizer que é um filme “três em um”. “Corra Lola Corra” é um filme alemão, que acontece seguido de uma trilha sonora frenética embalada por um ritmo tecno. Impossível dormir no filme. Aparentemente ele é repetitivo, mas a surpresa de saber o que vai acontecer com os personagens em vez que a história volta prende a atenção.
Deixe-me primeiro contar como que funciona o roteiro do filme. Manni (Moritz Bleibtreu) trabalha para uma quadrilha de contrabandistas trazendo e levando dinheiro. No seu último trabalho ele esquece uma quantia de 100 mil marcos dentro do metrô. Desesperado, ele tem apenas 20 minutos para recuperar o dinheiro e entregá-lo ao seu chefe. Caso contrário, adeus Manni. Ele liga então para sua namorada Lola (Franka Potente) pedindo ajuda. A única solução que Lola acha é pedir ajuda ao seu pai, que trabalha num banco. E assim começa a corrida de Lola, que sai de casa com o objetivo de ajudar Manni.
No caminho Lola ela encontra vários pessoas. A história se repete três vezes – desde o momento em que ela atende a ligação do namorado até o fechamento da história. Em cada história ela encontra-se de maneiras diferentes com esses personagens secundários. Ora ela bate neles, ora ela nem os vê. E as escolhas de Lola, de seguir tal caminho e tomar tal atitude, também influenciam na vida desses personagens. O futuro deles aparece em forma de fotografias. Assim que Lola passa por eles o filme nos mostra o que aconteceu com eles no futuro.
O fechamento de cada história usa a cor como ferramenta. Sempre que uma história acaba a tela fica vermelha e mostra um diálogo de Lola com Manni. E logo Lola volta a correr para chegar num outro final. E olha que essa mulher corre. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi pensar no excelente preparo físico da atriz, que corre loucamente durante todo o filme.
O filme tem também suas tiradas cômicas. Como os momentos em que Lola grita de maneira tão estridente que quebra os vidros do local. É uma atitude tão inesperada que parte da personagem que chega a ser engraçada. Lola se mostra uma pessoa controlada a maior parte do tempo. Mesmo sabendo que tem apenas 20 minutos para salvar o namorado ela sabe que vai achar alguma solução.
Esses 20 minutos é outro fator que me incomodou durante o filme. 20 minutos é o tempo estipulado por Manni no telefone quando fala com Lola. O filme tem 81 minutos, 21 minutos de abertura e os outros 60 para as três corridas de Lola - cada corrida com 20 minutos. Aparentemente é impossível Lola fazer tudo o que faz em tão pouco tempo. Os acontecimentos paralelos a corrida não são contados nesses 20 minutos e você percebe isso também pela maneira diferente que são mostrados. As imagens ficam levemente desfocadas.
Depois de fazer uma pesquisa sobre o filme, descobri que o número 20 aparece mais 2 vezes durante o filme. Quando Lola entra no cassino falta 20 centavos de marco para ela conseguir a ficha de 100 marcos. E ainda dentro do cassino ela insiste em apostar no número 20. E é com esse número que ela consegue os 100 mil marcos nessa parte da história. Bendito número 20, hein?
Outra coisa que descobri na pesquisa é que as cores das bolsas que são usadas por Lola, em cada uma das histórias, para guardar o dinheiro, tem seus significados. Na primeira história Lola coloca o dinheiro numa bolsa vermelha (olha o vermelho aí, mais uma vez). Isso demonstra a insegurança de Lola e a maneira insensata com que ela age num primeiro momento. A palavra falada por ela para recomeçar a sua corrida é “stop”. A segunda bolsa é verde. Ela passa a encarar com mais frieza aquilo que é um obstáculo. Está mais calma e tem um objetivo, segue em frente. Mas mesmo assim ela ainda está sendo guiada pelo extremo e pressão da situação. Mais uma vez não temos o final feliz. E a música que recomeça a história mais uma vez diz: “Just go go, never stop and never think/ To do do do do the right thing/...”. Na última e terceira corrida a bolsa é dourada, amarela. O amarelo significa atenção e reflexão para se chegar ao resultado desejado.
E só pra lembra a atriz Franka Potente fez também o filme "A Identidade Bourne" e uma pequena aparição na "Supremacia Bourne". Grandes filmes por sinal. Não conheço, além disso, a história de Franka como atriz, mas até aqui dá pra dizer que ela fez boas aparições no cinema!
E por último é importante dizer que o verdadeiro protagonista do filme é o tempo. É ele que dita as atitudes de Lola e o futuro dos figurantes. O filme é o tempo!

Baixe o filme no blog http://downloadcult.blogspot.com/2011/01/0939-corra-lola-corra-1998.html 

domingo, 23 de janeiro de 2011

“Deus pode ser uma negra noite escura, mas também um flambante sorvete de cerejas” Frase de Hilda, dita ao escritor Caio Fernando Abreu.


Paulistana de Jaú, nascida no dia 21 de abril de 1930 e falecida a 4 de fevereiro de 2004, Hilda Hilst é reconhecida, quase pela unanimidade da crítica brasileira, como uma das nossas principais autoras, sendo consideradas uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa do século XX. Segundo o crítico Anatol Rosenfeld, “Hilda pertence ao raro grupo de artistas que conseguiu qualidade excepcional em todos os gêneros literários que se propôs - poesia, teatro e ficção”. Distinguida por vários de nossos mais significativos prêmios literários, presente em numerosas antologias de poesia e ficção, tanto nacionais como estrangeiras, há muito seu nome está incluído nos dicionários de autores brasileiros contemporâneos.

De temperamento transgressor, prezando a liberdade, dona de uma rara beleza e coragem, culta e poeta, Hilda teve uma personalidade marcante e sedutora que ia de encontro aos costumes tradicionais vigentes nos anos 50, criando-se um folclore ao seu redor que, segundo alguns críticos, até chegou a ofuscar a importância de sua obra. Seu trabalho vem sendo publicado pela Editora Globo e tem sido tema de teses universitárias em nível de pós graduação e merecido traduções para o francês, inglês, espanhol, alemão e italiano, atraindo a atenção da crítica internacional, que já lhe dedicou artigos no Le Monde, L’infint, Libération, The Antigonish Review, Pleine Marge, entre outros. Iniciando sua ascese literária como poeta (seu primeiro livro, Presságio, é de 1950), Hilda Hilst estreou na dramaturgia em 1967, passando a representar o Brasil em festivais de teatro no exterior, entre eles o Festival de Manizales, Colômbia. Também por várias vezes suas peças teatrais, pela excelência do texto, têm sido utilizadas nos exames da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD- USP) e da Unicamp.

 Ao iniciar sua ficção, em 1970, com o livro Fluxo Floema, inaugura também um momento raro na Literatura Brasileira pela vigorosa revitalização da linguagem, que utiliza como meio de desestruturação, reformulação e catarse, para afinal reconstruir a Idéia (o Homem) dentro de novos limites. Seguiram-se vários outros livros no gênero. Criadora de textos magníficos, onde Atemporalidade, Real e Imaginário se fundem e os personagens mergulham no intenso questionamento dos significados, buscando compreensão, resgate da raiz, encontro do essencial, Hilda retrata sem cessar nossa limitada/ilimitada, frágil e surpreendente condição humana. Segundo o crítico literário Léo Gilson Ribeiro, a ficção de Hilda Hilst “submerge o leitor num mundo intrépido de terror e tremor, de beleza indescritível e de uma fascinante prospecção filosófica sobre o Tempo, a Morte, o Amor, o Horror, a Busca”.A abrangência de linguagem conseguida por Hilda Hilst, capaz de abarcar o coloquial mais chulo e a poesia mais intensa, alia-se à complexidade do Universo da autora, tornando-a uma das mais importantes vozes para descrever, com profunda e comovente fidelidade, a solidão, perplexidade e grandeza do Homem diante do Mundo.


sábado, 22 de janeiro de 2011

O Céu de Suely, de Karim Ainouz



Uma coisa comum no nordeste é a rifa. A rifa é um modo meio que ilegal de se fazer um sorteio de um objeto qualquer e sempre com um preço lá em baixo, variando de 50 centavos a mais caro... Dois reais. E é essa rifa que vai guiar a desiludida Hermila, uma bela jovem, que volta para cidade natal, uma pequena cidade de Ceará, que volta com seu filho pequeno nos braços esperando o seu amado voltar. Mas a frustração cai por terra ao saber que seu suposto amado não voltará.


 O Céu de Suely dirigido pelo cearense Karim Ainouz (diretos de Madame Satan e protagonizado pela pernambucana Hermila Guedes. O filme se passa no grande sertão nordestino, sendo que, não é como a maioria pensa que a localidade só presta para mostrar a pobreza da região. Puro engano.


 Tentando viver com a dor de saber que o seu suposto amado não irá mais voltar, ela tenta viver na cidade onde ao mesmo tempo é uma passagem para dor, e também de novos caminhos. E para sair dessa realidade tem uma brilhante idéia. Ela para conseguir o dinheiro suficiente para voltar para São Paulo, irá rifar “uma noite no paraíso” com ela e ganha uma alcunha de Suely, ao mesmo tempo que consegue o sucesso com a rifa, irá enfrentar os preconceitos e a ética de colocar o seu corpo a prêmio.

O roteiro é algo de se elogiar. Faz o que quase nenhum filme nacional faz: fugir dos padrões dos blockbuster nacionais, colocando uma história simples, mas ao mesmo tempo rica em desenvolvimento de personagens e situações. A trilha sonora é um atrativo a mais, com músicas que ficam na sua cabeça e musicas da região e do jeito como é demonstrado surpreende um mero cético, por que, algumas canções que foram executadas como Blá Blá Blá e Coração, as duas cantadas pelo grupo Aviões do Forró e Eu Não Vou Mais Chorar cantada pelo grupo Ave de Rapina, foram tocadas com exaustão no nordeste. Porém, quando é executada no filme, ao mesmo tempo cria um tipo de saudosismo, e para completar, faz uma relação entre a canção e a personagem principal.


Os atores do filme fizeram uma atuação simples, proveniente do teatro, que ajuda na naturalização do personagem. Fora isso, o diretor opinou em usar o nome original dos atores para o filme, assim criando um tipo de desafio para os atores, dando profundidade as suas caracterizações. E com certeza e de longe, a interpretação da pernambucana Hermila Guedes, entrega uma personagem que faz cair o queixo, fazendo uma das atuações mais naturais e sensíveis do cinema brasileiro.

Um verdadeiro achado do cinema nacional, um filme que foge dos padrões estabelecidos pela nova corrente que ao mesmo tempo achou a fórmula do sucesso achou também o maior erro de tentar colocar linguagem televisiva no cinema e colocar roteiros sofríveis. Um filme que mostra que um lugar pode ter um sentido dúbio, onde pode se ver esperança em algo que já não demonstra isso. Atuações inesquecíveis. Um dos melhores filmes nacionais que já vi. Veja também!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Zizi Possi - A Alma na Voz

Se algum dia eu duvidar da existência de algo divino é só ouvir a voz de Zizi Possi e perceber que estou errado ao quadrado.







Acompanhe a recuperação de Zizi em seu blog pessoal

http://blogdazizi.blogspot.com/

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

29 anos sem Elis...



No dia 19 de janeiro de 1982 o Brasil dava adeus à uma de suas maiores vozes.
Elis Regina partia deixando uma obra única e irretocável.

Abaixo um das mais belas  interpretações de Elis, gravada no programa Ensaio MPB. Essa versão sempre me emociona.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

HAIR, O musical que mudou o mundo.


"A paz há de lavar o mundo, o amor vai derramar", diz a versão de "Aquarius", que abre o musical "HAIR", em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro. As emoções transmitidas pela magnífica montagem brasileira realmente lavam o público e derramam-se sobre as poltronas do teatro. A missão de paz dos diretores Charles Möeller e Claudio Botelho tem alvo certeiro nos corações dos espectadores de qualquer idade.

Hair não é apenas um musical. É a celebração de uma nova era, a negação de todos os formatos dramáticos e musicais até seu surgimento em 1967. Um painel de contracultura viva, pulsando, mostrando novas possibilidades de conteúdo e forma em cena.

Hair nasceu assim e continua sendo ainda experimental e ritualístico ao mesmo tempo.
O homem evolui e se torna social quando descobri o fogo e passa a sentar-se em volta dele e a se relacionar com os outros homens. Assim começa Hair, a fogueira é acessa no terceiro sinal, a tribo se aproxima, a platéia vira” tribo”, a “tribo” se torna platéia. A montagem de Möeller e Botelho embarca nessa liturgia, esta procura pela espiritualidade sem religião, esta busca por si mesmo diante do outro e do mundo. É um espetáculo político sem ser exatamente politizado, e sem dúvida drasticamente atual, mesmo tratando de temas ligados ao momento específico vivido pelos Estados Unidos durante a guerra do Vietnã. Há outras guerras em curso atualmente, e muito do que foi escrito há 43 anos permanece forte como se fora pensado ontem. Não há como encarar Hair como simples entretenimento. É entretenimento certamente, pelas qualidades intrínsecas de seu texto e música, mas passa disso quando toca em assuntos que poderiam parecer datados ou banais, mas que estão absurdamente vivos e nos rodeiam como uma terrível realidade.

O Brasil viu um Hair arrebatador logo no início dos anos 70. Montagem dirigida por Ademar Guerra e com diversos atores em início de carreira e que hoje são nomes maiores do teatro e da TV ( Armando Bogus, Antônio Fagundes, Araci Balabanian, Sônia Braga, Ney Latorraca, Dennis Carvalho entre muitos outros). Conta-se que essa montagem foi um momento fulgurante do teatro brasileiro.

Essa nova de montagem de Hair é apresentada com uma maturidade profissional inquestionável, Möeller e Botelho, considerados os reis do musical no Brasil, mostram Hair para o público, com os recursos técnicos e humanos que o gênero já alcançou no país, sem perder a alma do espetáculo. Deixe o sol entrar em sua mente e vá ao teatro compartilhar Hair.






HAIR - Quarta, Quinta e Sexta 21h, 

Sábado 18h e 21h30 e Domingo 19h

Local: "Oi Casa Grande"

Avenida Afrânio de Melo Franco 290, Leblon



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Publique seu conto - Editora Multifoco



Amigos blogueiros, não escrevo contos, porém recebi esse e-mail de uma amiga, sobre o projeto da Editora Multifoco, leiam e fiquem a vontade para participar, a editora é muito bem conceituada, e tem sede aqui na cidade do Rio de Janeiro. Segue o e-mail aque recebi e publico com a devida autorização, no final há um contato.
O projeto reunirá pelo menos dois contos de sete autores, dentre eles eu, que serei a organizadora, revisora e editora do livro. No momento somos quatro, preciso de mais três contistas com alguma experiência, seja tendo publicado algum livro, ou blogueiros.


1) O contato da Editora será através de mim e da Márcia. A propósito, este é o link da MultiFoco:

http://www.editoramultifoco.com.br/

Na verdade, não é propriamente só uma Editora, mas também divulga livros.

 2) Como eu disse, cada autor poderá escrever no máximo dois contos. Não há um tema específico, pode escrever sobre qualquer tema que quiser desde que o gênero seja conto, ou seja, uma narrativa curta com um número de no máximo 5 páginas, com espaçamento de 1,5.

3) O prazo de entrega teria que ser neste primeiro semestre, o mais rápido possível, pois eu ainda tenho que editar, revisar, etc antes de passar pra a produtora Márcia e esta mandar o projeto para a MUltiFoco. Eles demoram no mínimo seis meses antes de publicar qualquer trabalho. Então vamos estipular um prazo de no máximo até março para que me enviem estes contos.

4) Como eu já disse, a Editora demora seis meses antes de publicar qualquer trabalho, então lá para o segundo semestre entre os meses de outubro e novembro deve ficar pronto o trabalho (na hipótese dos autores só poderem me enviar seus contos até março).

5) Embora seja um trabalho de divulgação de nossos escritos na editora, vamos ganhar 20% da vendagem. Porém, esta porcentagem será dividida entre os autores e isso também depois do trabalho publicado. E creio que, por conta disso, não será disponibilizado gratuitamente pela internet.

 6) Quando me enviarem seus contos, peço que também me enviem um currículo com seus dados pessoais (sem RG e CPF, por favor), nível de escolaridade e algum trabalho que tenham feito no campo. Se publicaram apenas alguma coisa pela internet, colocar o link do conto publicado.

7) Posteriormente, após a publicação devo pedir os dados bancários de todos para efetuar o pagamento. Mas vou ser sincera, não sei se vai ser muito. Vai depender da vendagem.

Enfim, são essas questões. Qualquer dúvida me avisem através do meu e-mail jordanete@yahoo.com.br


Atenciosamente,

Jordana.

É isso, sei que muitos amigos blogueiros escrevem contos incríveis, não percam essa oportunidade! 

domingo, 16 de janeiro de 2011

Acompanhando:

Transamerica


Bree Osbourne (Felicity Huffman), de seu nome de nascença Stanley Schupak, é um transsexual que está a apenas uma semana de ser submetido à operação que vai completar o processo de transformação. O que não estava à espera era de descobrir que, de uma relação que teve à 17 anos atrás, tinha resultado um filho, Toby (Kevin Zegers). Apesar de não querer, especialmente nesta altura, mais complicações na sua vida, Bree vê-se obrigada pela sua terapeuta, Margaret (Elizabeth Peña), a ir conhecer o seu filho e a descobrir como vai lidar com esta nova situação. Como não se sente à vontade para dizer a Toby que ela é de fato o seu pai, decide começar uma viagem de forma a devolver Toby a quem o criou durante todo este tempo para que possa de novo centrar-se em si. No entanto esta jornada não se revela tão simples como ela desejaria.

Duncan Tucker consegue agarrar num tema controverso que ainda não foi excessivamente explorado e criar um filme que não tenta ser chocante apenas para ganhar audiência. A vida de Bree é como é. As suas escolhas não são tomadas para ser diferente mas sim para se parecer no exterior com aquilo que acredita ser no interior e como tal a sua vida é pacata e os seus esforços vão no sentido de se enquadrar com a sociedade. Mas acima de tudo, este filme é Felicity Huffman. É o poder da sua interpretação que o leva às costas ao longo dos mais de 100 minutos e não é por acaso, nem de uma forma injusta, que ela ganhou 7 prêmios, incluindo Globo de Ouro, e que foi indicada na época para o Oscar. Kevin Zegers faz também um bom papel (que acaba por ficar na sombra do de Felicity) e a sua personagem constrasta com a de Bree na forma como se relacionam com o seu corpo. Toby, devido ao que já teve de passar, está muito mais à vontade com a sua sexualidade do que Bree, que ainda não conseguiu encontrar o equilíbrio que deseja.

Transamerica, mais do que um filme acerca de transsexualidade, é uma reflexão sobre a família moderna. Uma família onde já nem só os filhos desafiam as barreiras da sociedade. Um road movie que nos leva a percorrer os EUA junto com Bree em busca da sua verdade interior.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Cisne Negro


Os brasileiros que acompanharem a cerimônia do Globo de Ouro neste domingo, dia 16, podem se sentir um pouco desatualizados.

Tudo porque cinco filmes que concorrem nas principais categorias ainda não estrearam por aqui.

Na categoria drama, apenas dois longas já foram exibidos nos cinemas nacionais, “A Origem” e “A Rede Social”.

“Cisne Negro”, “O Vencedor” e “O Discurso do Rei” têm estreia prevista apenas para fevereiro.

Entre as comédias e musicais, dois favoritos ainda não passaram pelo Brasil, “Burlesque” e “O Turista”.

Meu destaque é para Cisne Negro, um thriller psicológico ambientado no mundo do balé da Cidade de Nova York. Natalie Portman interpreta uma bailarina de destaque que se encontra presa a uma teia de intrigas e competição com uma nova rival interpreta por Mila Kunis. Dirigido por Darren Aronofsky (O Lutador, Réquiem para um Sonho, Pi), Cisne Negro faz uma viagem emocionante e às vezes aterrorizante à psique de uma jovem bailarina, cujo papel principal como a Rainha dos Cisnes acaba sendo uma peça fundamental para que ela se torne uma dançarina assustadoramente perfeita. O filme estréia no Brasil no dia 04 de fevereiro, mas já ganhou méritos com a crítica americana e européia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Por que Você Faz Cinema?



Por que Você Faz Cinema?


Para chatear os imbecis
Para não ser aplaudido depois de sequências, dó de peito
Para viver a beira do abismo
Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público
Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem
Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo
Porque de outro jeito a vida não vale a pena
Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito
Porque vi "simão no deserto"
Para insultar os arrogantes e poderosos quando ficam como "cachorros dentro d'água" no escuro do cinema
Para ser lesado em meus direitos autorais.

Adriana Calcanhoto 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Fita Branca, A Anatomia do Mal


Pertubador! Não pela quantidade de sangue (não há), não pelo escárneo (não há), não pelas imagens chocantes (não há). Mas, no entanto, o filme ronda a sua cabeça, seus ossos e seus músculos depois dele ter terminado há muitas horas, dias… Como filmar a maldade? Não essa maldade novelesca de reality show, não a maldade maniqueísta que luta contra o bem, não a maldade que vemos no outro, mas a maldade que está dentro de todos nós. Exatamente isso é “A Fita Branca”, de Michael Haneke, o exemplo mais profundo de como filmar a maldade em sua essência.

Para tanto, o diretor austríaco se usa de um arquétipico fundamental pra desmontá-lo e trucidá-lo em fotogramas: A pureza das crianças. A imagem angelical que ainda persiste no imaginário ocidental sobre as crianças – mesmo com quase um século de Freud e suas teorias – é desmontado paulatinamente. São representações como essa da pureza das crianças ou do macho adulto sempre no comando – mesmo com toda a luta das minorias – que se afirmam nos momentos que a Razão cochila.

O que Haneke nos oferece  é uma verdadeira anatomia moral e psicológica dos moradores do vilarejo alemão. Em "A Fita Branca", o diretor consegue um efeito parecido com outro filme seu, "Caché" (2005): enquanto o público se preocupa em desvendar os crimes, o filme passa por um deslocamento, indo do espaço público para o espaço privado, sempre com muita sensibilidade. Dentro das quatro paredes de diferentes famílias, tomamos conhecimento de uma estrutura patriarcal altamente autoritária, marcada pelo signo da punição e da disciplina. Em uma cena, por exemplo, vamos um pai bolinar a própria filha durante a madrugada. Enquanto isso, outro pai, o pastor da cidade, amarra as mãos do filho adolescente na cama para impedir que ele se masturbe (um pecado mortal). Por isso, não surpreende que o professor do vilarejo chegue à bizarra conclusão de que são aquelas crianças, em sua maioria submetida a uma educação fortemente repressora, as responsáveis pelos misteriosos crimes.

A tese de Haneke é que esta estrutura autoritária da sociedade alemã, sobretudo a patriarcal, gerou fortes sentimentos de indiferença, crueldade e desprezo entre a geração de jovens do início do século XX, a mesma geração que anos mais tarde abraçaria a causa do nazismo, tendo em Hitler muito mais do que um governante, mas um verdadeiro pai (sabemos, por exemplo, que o próprio Hitler tivera vários problemas com o seu pai durante a infância e adolescência). Logo no início do filme, o próprio narrador em off avisa: “os eventos que se passaram ali, naquele vilarejo, no início do século, são de extrema importância para se compreender os eventos dramáticos que aconteceriam na Alemanha, décadas depois”.

Essas relações de cunho causal aparecem em diversas marcas simbólicas ao longo do filme. A mais evidente é a tal fita branca do título, que o pastor força seus filhos a usarem. As crianças deveriam usar a fita para que pudessem sempre lembrar a sua condição de pecadores, uma antevisão da estrela de David usada pelos judeus durante parte do Terceiro Reich como elemento de uma estratégia de distinção social. Outra marca que merece destaque é o desprezo com que uma criança com deficiência mental (filho do médico) é tratada pelas demais crianças e adultos do vilarejo, ao ponto de ter seus olhos furados pelos autores dos demais crimes. O uso deste acontecimento, no filme, não tem nada de fortuito. Sabe-se que a Alemanha assassinou milhões de alemães deficientes mentais, sob a defesa de extirpar os “incapazes socialmente”. Esses crimes são considerados por diversos historiadores, inclusive, como um preâmbulo macabro para o que aconteceria com os judeus pouco tempo depois. Por fim, o mesmo tipo de alusão pode ser percebida quando um pai grita e espanca violentamente o filho (uma das cenas mais fortes do filme) ao saber que ele havia roubado a flauta do filho do barão. É praticamente impossível não reconhecer naquela cena o mesmo ímpeto de violência praticado pelos SS em campos de concentração.

Mas no filme, de maneira sutil, são as crianças que arquitetam e perseguem os diferentes – mas desde já isso não é explícito, o que é mais perturbador ainda. Você sabe o tempo todo sem ter provas, sem poder culpá-las. O álibi da pureza delas nos cega como quando olhamos pra neve. O que é diferente e fora das regras normativas daquela pequena comunidade é simplesmente dizimado: Seja a família desfuncional do médico do vilarejo (a questão moral), juntamente com a parteira e seu filho com problemas mentais (a questão física/étnica), além da família pobre de camponeses e o aristocrata do vilarejo (a questão econômica). Muitos críticos enxergam aí, nesse tripé, a alegoria da consolidação do nazismo que surgirá duas décadas depois. Acho válida a visão apesar de pouco profunda.

 Isso está para além de um tempo histórico. É o pacto com a maldade de todos nós que reside a essência incoveniente do filme. Quando nos silenciamos diante do mal, quando nos enganamos e desvirtuamos os acontecimentos para não encararmos de frente a maldade, quando o nosso mal é a passividade ou pior, a desautorização de acontecimentos graves para que possamos ter a consciência tranquila ou ainda quando acreditamos, por facilidade, que esse é o bem. Nesse momento somos todos maus.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman


Terminei de ler "Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos", de Zigmunt Bauman, respeitado sociólogo da atualidade e professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia, e autor de diversas obras publicadas como “O Mal-Estar da Pós-Modernidade”, “Medo Líquido”, “Modernidade e Ambivalência”, “Modernidade e Holocausto”, “Modernidade Líquida” e “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”.

Nesta obra o autor estende o conceito de “líquido” para as relações humanas na pós-modernidade. Mas o que significa tal conceito? Trata-se de uma característica essencial da pós-modernidade: tudo se torna frágil, duvidoso, frouxo, livre e inseguro. Bauman estende o conceito “liquido” para entender toda pós-modernidade e, muitas vezes, é criticado por isto. Todavia, naquilo que diz respeito à obra Amor Líquido, o autor consegue resultados consideráveis e, deste modo, ilumina as relações amorosas do século XXI e destaca que a frouxidão é a principal característica de tais relações. Bauman, logo nas primeiras páginas deixa claro o objetivo do seu trabalho: “A misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, é o que este livro busca esclarecer, registrar e apreender.” A fragilidade dos vínculos humanos são misteriosos, conflitantes e inseguros na medida em que o homem contemporâneo está abandonado ao seu próprio aparelho de sentido, de modo que tal aparelho tem, ao mesmo tempo, grande facilidade de conceder e descartar sentido nas “relações amorosas”. O homem moderno, ávido por relacionar-se, ao mesmo tempo em que busca uma relação, e desta maneira repudia a solidão, não abre mão de sua liberdade, e para manter a liberdade mantêm a relação, entretanto com uma outra configuração . Desta maneira, temos um novo modelo de relação amorosa: é a relação líquida, frouxa. O homem moderno busca o outro pelo horror à solidão, mas mantêm este outro a uma distância que permita o exercício da liberdade. Diante da dúvida é que o outro e o eu se relacionam, toda relação oscila “entre sonho e o pesadelo e não há como determinar quando um se transforma no outro”. A co-presença da satisfação e insatisfação da relação traz mais uma vez a dúvida à baila: devemos escolher sabendo dos riscos do nosso investimento, todavia, os casais “estão sozinhos em seus solitários esforços para enfrentar a incerteza". Bauman deixa claro que a relação pode acabar numa manhã de sol que o outro – este que um dia antes disse “eu te amo – levanta-se da cama e exclama: acabou! Como entender tal mistério? Quais idéias que se auto-organizaram para tal catástrofe? – catástrofe para aquele que perde o objeto de amor “garantido”. Como sobreviver depois deste salto, ou melhor, do céu ao inferno em uma noite? “O amor, dirá Bauman, pode ser, e freqüentemente é, tão atemorizante quanto a morte. [...] Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar.” Diante desta atração e medo o homem faz suas escolhas e Bauman as analisa.

O relacionamento passa a ser um investimento: a satisfação e a dor são proporcionais ao investimento. “Um dilema, de fato: você reluta em cortar seus gastos, mas abomina a perspectiva de perder ainda mais dinheiro na tentativa de recuperá-los. Um relacionamento, como lhe dirá o especialista, é um investimento como todos os outros: você entrou com tempo, dinheiro, esforços que poderia empregar para outros fins, mas não empregou, esperando estar fazendo a coisa certa e esperando também que aquilo que perdeu ou deixou de desfrutar acabaria, de alguma forma, sendo-lhe devolvido – com lucro.” O investimento pressupõe “lucro” – uma relação firme e feliz capaz de gerar satisfação para sempre –, todavia, não tendo este como resultado o que resta é uma desolação de tempo perdido e trabalho desperdiçado como esforço inútil. Baumam salienta que um relacionamento ocasionará muita “dor de cabeça”, mas antes de qualquer coisa e acima de qualquer estância “uma incerteza permanente”. O ar pessimista da obra mostra que a mesma dificuldade que se tem para amar pode ser transposta para a morte, pois é tão difícil aprender a amar quanto a morrer.

Os “insights” de Bauman na obra “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos” são inúmeros e destacam comportamentos do nosso dia a dia, do que há de mais concreto na vida do homem moderno com suas relações de amor: seus acessórios tecnológicos – que alimenta a crença de um mundo melhor e tranqüilo –, a busca ensandecia pelo sentido, a crença no amor como oasis em um mundo trágico e violento, as relações como uma rede computacional, a imprevisibilidade das relações, a queda da distinção entre o regular e o contingente, a traição, os relacionamentos de bolso – que podem ser usados quando as partes bem entenderem –, o cartão de crédito como forma de antecipação da satisfação, a subordinação do amante e a opressão do amado, etc. “Todos os amantes desejam suavizar, extirpar e expugnar a exasperadora e irritante alteridade que os separa daqueles a que amam. Separar-se do ser amado é o maior medo do amante, e muitos fariam qualquer coisa para se livrarem de uma vez por todas do espectro da despedida. Que melhor maneira de atingir este objetivo do que transformar o amado numa parte inseparável do amante? Aonde eu for você também vai; o que eu faço você também faz; o que eu aceito você também aceita; o que me ofende também ofende você. Se você não é nem pode ser meu gêmeo siamês, seja o meu clone!”. O relacionamento na pós-modernidade seria mais uma forma de massificação e obliteração da subjetividade? A crítica filosófica – diante deste ataque à capacidade humana de pensar, refletir e entender as relações – seria uma forma de voltar à caverna para trazer à luz os casais presos e encantados com as sombras da caverna? Bauman dá os primeiros passos neste resgate.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Wim Wenders, Die Himmel Über Berlin


Noite de muita chuva no Rio de Janeiro, nada mais a fazer senão escolher um filme para rever.Tendo em vista a revisão de texto e a pesquisa de signos que estou fazendo para a peça "A Morte do Anjos", escolhi " Asas do Desejo".

Esta talvez seja a maior e mais adorada obra do alemão Wim Wenders, um cineasta cuja obra é marcada por uma poesia sempre apaixonada pela mídia áudio-visual (o próprio cinema) e embalando personagens geralmente perdidos em paisagens esparsas. Ver Asas do Desejo (Der Himmel Über Berlim, Alemanha-França, 1987) quase 25 anos após o seu nascimento significa avisar os mais desligados que este filme não é uma imitação feita às pressas de Cidade dos Anjos (City of Angels, EUA, 1998), mas sim a rica fonte a partir da qual Hollywood extraiu este xaropinho que Meg Ryan e Nicolas Cage nos servem às colheradas.

Concentremos no original, uma abordagem profunda e hipnotizante sobre a solidão e a necessidade de encontrar alguém que nos faça inteiro, ou se preferirem, uma celebração da vida, muito embora quase todos os seus personagens pareçam estar imersos num estado terminal de melancolia durante todo o filme. Uma belíssima obra, sensível, profunda e que nos faz refletir profundamente sobre nossa condição humana.

 Desde a primeira cena somos levados a mergulhar nos pensamentos de diversas pessoas, o que inicialmente pode ser tedioso, mas que com o tempo se revela uma grande arma de reflexão do filme. Às vezes os pensamentos são tão densos que me vi pausando o filme pra pensar um pouco mais sobre o que tinha acabado de ver.

A fotografia é avassaladora e o jogo realizado entre o preto-e-branco e o colorido é um grande trunfo utilizado para dar dimensões diferentes à vida de um anjo – eterna, mas sem cor - e a dos seres humanos – finita e cheia de problemas, mas com sensações inegavelmente coloridas.

O amor, aqui é trabalhada de forma  sutil e intercalada com vários momentos dos anjos que acompanham os pensamentos das pessoas. Destacam-se os pensamentos de um senhor bem idoso chamado Homero, que todo o tempo desabafa a impossibilidade de contar suas histórias, já que agora todos preferem lê-las – homenagem clara ao Homero grego.

É também Homero que, dentro e fora da biblioteca onde se passam vários momentos do filme, faz reflexões acerca de Berlim, cidade onde se passa a história. A cidade, fortemente atingida por ter sido palco da Segunda Guerra, é mais um dos ricos temas desenvolvidos na película. Em algumas cenas, inclusive, são exibidas partes de documentários que retratam a guerra e a Berlim pós-guerra. Mais um elemento que torna o filme imperdível.

O amor impossível se torna apenas uma metáfora uma vez que, através da escolha feita pelo anjo entre a imortalidade e a humanidade, Wenders desenvolve a principal temática do filme: o conflito humano.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Lúcio Cardoso e sua "Crônica da Casa Assassinada"



Se você, assim como eu, não é mineiro, possivelmante não conheça Lúcio Cardoso. Chegou a hora de conhecer esse, que é um dos melhores ficcionistas brasileiros.

Conheci Lúcio Cardoso ao ler a biografia de Clarice Lispector, escrita por Nádia Batella Gotlib, segundo Nádia eles se conheceram, em 1940, Clarice tinha 20 anos, e Lúcio - brilhante e sedutor -, 28. Mas era um amor impossível: Lúcio era um homossexual assumido. Havia, porém, um segundo impedimento: os dois eram "parecidos demais". Mesmo assim, especula Nádia, foi esse amor não correspondido que levou Clarice a cultivar a solidão - condição essencial para a escrita. Mais que isso: foi o fracasso no amor que a empurrou para a literatura. Foi Lúcio Cardoso quem sugeriu o título de seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1943). Foi ele, ainda, quem lhe mostrou que as anotações dispersas, que ela tomava às tontas e pareciam incoerentes, eram, na verdade, o seu método.

Lúcio Cardoso nesceu em Curvelo, Minas Gerais, em 1913, Joaquim Lúcio Cardoso Filho logo se transferiu para Belo Horizonte, onde completou sua formação escolar, e, depois, para o Rio de Janeiro. Foi na capital fluminense que, recebendo as influências do ambiente intelectual que freqüentava e de inúmeras leituras, iniciou suas experiências literárias.

Gostaria de propor a leitura do livro que considero uma obra prima da literatura mundial, Crônica da Casa Assassinada (1959).

O romance acompanha a ruína de uma aristocrata família mineira. Uma saga que se desenrola nos limites de uma casa de fazenda. A casa desempenha o papel principal: os personagens são feitos do cimento da casa e esta, da carne dos seus habitantes. A perspectiva dos temores que habitam a casa, da casa que sangra, que sofre, que abriga os mais trágicos segredos.

Lúcio Cardoso revela pendor para criação da atmosfera de pesadelo e de sondagem interior a que lograria dar uma rara densidade poética. Aproveita as sugestões do surrealismo, sem perder de vista a paisagem moral da província que entra como clima nos seus romances.

Crônica da Casa Assassinada reconstrói de maneira admirável o clima de morbidez que envolve os ambientes e os seres. Fixa a angústia de um amor que se crê incestuoso. Em vez de referências diretas, são as cartas, os diários e as confissões das pessoas que conheceram a protagonista (e dela própria), que vão entrar como partes estruturais do livro, tornando a narrativa incomum e que costuram com maestria a história dos Meneses, centrada na presença de uma mulher desconhecida..

Crônica da casa assassinada surpreende antes de tudo pelo seu fôlego, e também pelo uso apropriado e coerente de vários instrumentos narrativos, cada um deles a cargo de um narrador diferente. Enquanto viaja devagar por uma trilha escura, à margem da qual se sucedem os sinais de desvios psicológicos e conflitos de natureza moral, o leitor testemunha a demorada queda da casa dos Menezes, tradicional família mineira - esse reduto de dominação e violência discreta que o autor fez questão de atacar sem piedade.

A agonia de Nina, protagonista da obra, sua alma libertária presa a um corpo carcomido pelo câncer, é a ramificação da metástase que condena a casa e contagia seus habitantes com a degenerescência da propriedade produtiva transformada em um cemitério de mortos-vivos.

As flores, violetas, marcam as estações dos personagens, os enganos, a vida na realização do amor no canteiro de um homem jovem, as tantas mortes, a ressurreição possível na imortalidade dos genes e a prisão a que estão condenados os homens resignados.

A essência do livro, Lúcio desenharia em linhas duras, num depoimento na época do lançamento: "Meu movimento de luta, aquilo que viso destruir e incendiar pela visão de uma paisagem apocalíptica e sem remissão é Minas Gerais. Meu inimigo é Minas Gerais. O punhal que levanto, com aprovação ou não de quem quer que seja é contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família mineira. Contra a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a religião mineira. Contra a concepção de vida mineira. Contro a a fábula mineira" 


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Nina Simone - The Last Diva!


Pianista, cantora e compositora, Eunice Kathleen Waymon, que ficou conhecida como, Nina Simone, nasceu em 21 de fevereiro de 1933, em Tryon, North Carolina, Estados Unidos.

Nos anos 50, Nina Simone foi uma das primeiras artistas negras a freqüentar a famosa e conceituada escola de piano, Julliard School of Music, de Nova Iorque.

Em meados dessa década, começou a acompanhar artistas na noite de Atlantic City e se viu obrigada a cantar para continuar o sustento da família.

Estilísticamente, a palavra que melhor caracteriza Nina Simone é ecleticismo. Sua voz, com faixa própria de um alto, caracterizava-se por sua paixão, sua breathiness (voz ofegante , sufocada, sem alento) e seu tremor.

Mostrando versatilidade vocal que navegava entre o gospel, soul, blues, jazz e folk, Nina chamou a atenção de vários artistas como George Harrison, Bob Dylan e os irmãos Gershwin, entre outros.

A influência de Duke Ellington é patente em toda a obra de Nina, mas muito especialmente em suas composições e improvisações de cercania espiritual. Nina consegue a cumplicidade do ouvinte com um emprego intencional dos silêncios e minimizando o acompanhamento. Sua voz às vezes só sussurra, mas depois grita ou geme, transmitindo todas as sensações que a alma humana é capaz de experimentar.

Grande lutadora pelos direitos civis das pessoas de ascendência africana, luta esta expressada em muitas ocasiões através de suas canções, Nina deixou os Estados Unidos em 1969, depois do assassinato de Martin Luther King, Cansada da segregação racial contra os afro americanos. Sua composição, "Mississippi Goddamn", se tornou um hino ativista ao longo dos anos. A música foi composta após o assassinato de quatro crianças negras numa igreja de Birmingham, em 1963.

De personalidade complicada, chegava a ser agressiva e vulnerável, mas fortemente apaixonada. Na indústria musical tinha fama de temperamental, uma característica que Nina levava muito a sério. Ainda que sua personalidade fosse arrogante e distante, em suas últimas décadas parecia desfrutar de uma aproximação com o púclico em suas apresentações, contando episódios e atendendo pedidos.

Nina Simone faleceu, na França, no dia 21 de abril de 2003. Em entrevista ao jornal Le Fígaro, pouco antes de sua morte, Nina afirmou: “ I am the last Diva”.

Selecionei alguns vídeos com canções de Nina, inclusive um trecho da antológica apresentação em Montreux, 1976.







quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Billy Elliot



BILLY ELLIOT é a história de um garoto que, através de seu amor inesperado pela dança, embarca numa viagem de auto-descoberta num mundo de greves, estereótipos culturais, uma família em crise e uma professora de ballet determinada. Quando esse menino de 11 anos presencia uma aula de ballet que é dada no mesmo galpão onde treina boxe, alguma coisa na mágica dos movimentos atrai a sua imaginação e logo ele vai querer enterrar as luvas de boxe para se esgueirar no fundo das aulas da Sra. Wilkinson.

O prazer da Sra. Wilkinson em lecionar - com seu ótimo olho para perceber talentos - é revivido quando ela vê o potencial de Billy. Sem esquecer das outras bailarinas, ela se dedica a ensinar seu novo protégé. Enquanto isso, o pai de Billy e seu irmão mais velho, Tony - ambos mineiros em greve -, lutam para levar comida à mesa todos os dias. Suas frustrações finalmente explodem quando descobrem que Billy estava gastando o dinheiro das aulas de boxe em atividades pouco masculinas. Proibido de fazer ballet, atormentado pelo comportamento cada vez mais senil de sua avó e com saudade de sua recém-falecida mãe, Billy aprofunda seu relacionamento com o colega de escola Michael, numa amizade emocionante, enquanto a nova colega, Debbie, filha da Sra. Wilkinson, desperta sentimentos assustadores, mas nada desconfortáveis ao garoto.

A Sra. Wilkinson finalmente consegue persuadir Billy a ter aulas particulares, de graça, dizendo-lhe que quer que ele faça um teste para a principal escola de ballet da Inglaterra. Os dois se envolvem numa rotina e relacionamento intensos. Billy não consegue fazer o teste porque, nesse mesmo dia, Tony tem um problema com a polícia. Decidida a ajudar o menino, a Sra. Wilkinson procura o pai de Billy para explicar a oportunidade extraordinária que o seu filho está perdendo, mas é recebida por um Tony irado - para a humilhação de Billy.

Desolado pela falta de compreensão de sua família, Billy joga todos os seus sentimentos numa dança só para Michael ver, mas é pego por seu pai, que fica surpreso pela força e talento do filho. A partir desse instante, ele concorda em ajudar o garoto a fazer o teste em Londres. Com o apoio dos outros mineiros, Billy e seu pai finalmente vão para a capital para o tão sonhado teste e voltam para casa ansiosos, aguardando a decisão da escola de ballet.

Quinze anos mais tarde, o pai, Tony e Michael olham com orgulho a cortina subir para dar início à première de Billy num papel principal no West End de Londres.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cartas, de Caio Fernando Abreu


Porto, 22 de dezembro de 1979




Zézim,




Cheguei hoje de tardezinha da praia, fiquei lá uns cinco dias, completamente só (ótimo!), e encontrei tua carta. Esses dias que tô aqui, dez, e já parece um mês, não paro de pensar em você. Tou preocupado, Zézim, e quero te falar disso. Fica quieto e ouve, ou lê, você deve estar cheio de vibrações adeliopradianas e, portanto, todo atento aos pequenos mistérios. É carta longa, vai te preparando, porque eu já me preparei por aqui com uma xícara de chá Mu, almofada sob a bunda e um maço de Galaxy, a decisão pseudo-inteligente.


Seguinte, das poucas linhas da tua carta, 12 frases terminam com ponto de interrogação. São, portanto, perguntas. Respondo a algumas. A solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse banquete. Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo? não estou certo): “Caminante, no hay camino. Pero el camino se hace ai anda”.


Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz ”Deus é minha última esperança". Zézim, eu te quero tanto, não me ache insuportavelmente pretensioso dizendo essas coisas, mas ocê parece cabeça-dura demais. Zézim, não há última esperança, a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Tudo é maya / ilusão. Ou samsara / círculo vicioso.


Certo, eu li demais zen-budismo, eu fiz ioga demais, eu tenho essa coisa de ficar mexendo com a magia, eu li demais Krishnamurti, sabia? E também Allan Watts, e D. T. Suzuki, e isso freqüentem ente parece um pouco ridículo às pessoas. Mas, dessas coisas, acho que tirei pra meu gasto pessoal pelo menos uma certa tranqüilidade.


Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada, fazendo tUdo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é muito pouco religioso. Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo. Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a maconha por Jesusinho? Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.


Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.


Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.


É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na CultUra, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.


Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.


E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.


Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/ e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido.


Caio

“O Cânone Ocidental” de Harold Bloom por Umberto Eco



 “O Cânone Ocidental” de Harold Bloom define o cânone literário como “a escolha de livros em nossas instituições de ensino”, e sugere que a verdadeira questão que ele suscita é: “o que o indivíduo que ainda deseja ler deveria tentar ler, a essa altura da História?” E ele observa que, na melhor das hipóteses, dentro do tempo de uma vida é possível ler somente uma pequena fração do grande número de escritores que viveram e trabalharam na Europa e nas Américas, sem contar aqueles de outras partes do mundo. Mesmo nos atendo somente à tradição ocidental, quais são os livros que as pessoas deveriam ler? Não há dúvidas de que a sociedade e a cultura ocidentais foram influenciadas por Shakespeare, pela “Divina Comédia” de Dante, e – voltando atrás no tempo – por Homero, Virgílio e Sófocles. Mas será que somos influenciados por eles porque os lemos de fato em primeira mão?

Isso lembra o argumento de Pierre Bayard, em “Como Falar Sobre Livros que Você Não Leu”, de que não é essencial ler de fato um livro de capa a capa para entender sua importância. Por exemplo, é nítido que a Bíblia teve uma profunda influência tanto sobre a cultura judaica como sobre a cristã no Ocidente, e mesmo sobre a cultura de não-crentes – mas isso não significa que todos aqueles que foram influenciados por ela a tenham lido do começo ao fim. O mesmo pode se dizer sobre os escritos de Shakespeare ou James Joyce. É necessário ter lido o Livro dos Reis ou o Livro dos Números para ser uma pessoa culta ou um bom cristão? É necessário ter lido Eclesiastes, ou basta simplesmente saber em segunda mão que ele condena a “vaidade das vaidades”?

Sendo assim, a questão do cânone não é homóloga à do currículo escolar, que representa o conjunto de obras que um estudante deverá ter lido ao fim de seus estudos. Hoje o problema é mais complicado do que nunca e, durante uma recente conferência literária internacional em Mônaco, houve um debate sobre o lugar do cânone na era da globalização. Se roupas de marca “europeias” são produzidas na China, se usamos computadores e carros japoneses, se até em Nápoles comem hambúrgueres em vez de pizza –  resumindo, se o mundo encolheu a dimensões provincianas, com estudantes imigrantes em todo o mundo pedindo para aprender sobre suas próprias tradições – então como será o novo cânone?

Em certas universidades americanas, a resposta veio na forma de um movimento que, mais do que “politicamente correto”, é politicamente estúpido. Como temos muitos estudantes negros, algumas pessoas sugeriram ensinar-lhes menos Shakespeare e mais literatura africana. Uma ótima piada à custa de todos aqueles jovens destinados a saírem pelo mundo sem entender referências literárias universais como o solilóquio do “ser ou não ser” de Hamlet – e, portanto, condenados a permanecerem à margem da cultura dominante. Se tanto, o cânone existente deveria ser expandido, e não substituído. Como foi sugerido recentemente na Itália, a respeito de aulas semanais de religião nas escolas, os estudantes deveriam aprender algo sobre o Corão e os ensinamentos do Budismo, bem como sobre os Evangelhos. Assim como não seria mau se, além de suas aulas sobre a civilização grega antiga, os estudantes aprendessem algo sobre as grandes tradições literárias árabe, indiana e japonesa.

Não faz muito tempo, fui a Paris para participar de uma conferência entre intelectuais europeus e chineses. Foi humilhante ver como nossos colegas chineses sabiam tudo sobre Immanuel Kant e Marcel Proust, sugerindo paralelos (que poderiam estar certos ou errados) entre Lao Tsé e Friedrich Nietzsche – enquanto a maioria dos europeus entre nós mal conseguia ir além de Confúcio, e muitas vezes com base somente em análises em segunda mão.

Hoje, no entanto, esse ideal ecumênico esbarra em certas dificuldades. Você pode ensinar a jovens ocidentais a “Ilíada” porque eles ouviram algo sobre Heitor e Agamêmon, e porque seus rudimentos de cultura incluem expressões como “o julgamento de Páris” e “calcanhar de Aquiles” (embora em um recente exame de admissão de uma universidade italiana um candidato tenha pensado que o termo “calcanhar de Aquiles” se referia a uma doença, como cotovelo de tenista).  Ainda assim, como conseguir fazer com que esses estudantes se interessem pelo poema épico sânscrito “O Mahabharata”, ou pelos poemas dos “Rubaiyat de Omar Khayyam” de forma que essas obras permaneçam em suas memórias? Será que realmente podemos adaptar o sistema educacional a um mundo globalizado quando a vasta maioria dos ocidentais cultos ignora totalmente que, para os georgianos, um dos maiores poemas na história literária é “O Cavaleiro na Pele de Pantera” de Shota Rustaveli? Quando acadêmicos não conseguem nem concordar se, na versão georgiana original, o cavaleiro do poema está na verdade usando uma pele de pantera e não de tigre ou de leopardo? Chegaremos sequer a esse ponto, ou continuaremos simplesmente a perguntar: “Shota o quê?

Umberto Eco
Fonte: The New York Times
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