domingo, 19 de dezembro de 2010
Dois filmes e uma visão ética do mundo
O que um filme como “A Vida dos Outros” (Alemanha/2006), de Florian Henckel von Donnersmarck tem a ver com “Central do Brasil”(1998) de Walter Salles? A relação de Salles com os road movies de Wim Wenders, cineasta de anos áureos do cinema alemão em que tínhamos Fassbinder, Schlöndorff, Kluge, Herzog e outros, é conhecida. Mas com o novato Florian o que há é uma identidade que não é formal e sim de visão ética do mundo. Ambos acreditam em transformações benignas do caráter humano mesmo em situações bastante adversas.
Em “Central do Brasil” acompanhamos a humanização da professora aposentada Dora que de trambiqueira que explorava analfabetos passa paulatinamente a ser, não sem oscilações, uma mãe substituta sensível de um garoto que corre risco de vida e quer juntar-se à família no Nordeste (um argumento que nos lembra, em parte, “Glória” (1980) de John Cassavetes). Em “A Vida dos Outros” somos testemunhas das transformações por que passa um rígido e profissional torturador, professor e espião da temida Stasi (polícia secreta da antiga República Democrática Alemã que contava com 100 mil membros oficiais e 200 mil informantes numa população de 17 milhões de pessoas) que invade e observa a vida de um escritor e sua namorada que é atriz.
No universo da Literatura o mais célebre personagem em que ocorre uma grande transformação espiritual é o Raskolnikoff de “Crime e Castigo” de Dostoiévski que de assassino convicto de uma velha usurária que desprezava, passa por intensa e dolorida busca, antes de qualquer coisa, por perdão a si mesmo. “A Vida dos Outros” não tem esta densidade filosófica e existencial. Mas dentro do tema das transmutações que pode ocorrer com as almas humanas tem pontos de contacto com este monumento literário.
Em “A Vida dos Outros” cada personagem responde questões com as quais nos defrontamos todos os dias: como lidar com poder e ideologia? Nós seguimos nossos princípios ou nossos sentimentos? Mais do que qualquer outra coisa, o filme é um drama humano sobre a habilidade dos seres humanos fazerem a coisa certa, não importa o quanto eles tenham percorrido uma trajetória errada.
Para mim a sequencia chave acontece quando um dos personagens fala, depois de tocar uma sonata de Beethoven ao piano:
“Você sabe o que Lênin disse sobre a “Apassionata”? Se eu ficar ouvindo isto eu não termino a revolução. Pode alguém que ouviu esta música, que a ouviu realmente, ser realmente uma má pessoa?”
Com excelente aproveitamento da tela larga, é um thriller singular que num eixo central comunga com o estilo hitchcockiano e vai agregando camadas surpreendentes de sentidos, de 1984 até ultrapassar a glasnot de Gorbatchov e a queda do muro de Berlim em 1989, culminando num desfecho inesquecível e de grande densidade poética.
Garanto que vale a pena passar na sua locadora e alugar um filme com eficiente estrutura de conto, sem pieguices, bastante urgente numa era em que estamos nos afogando num mar de cinismos e perdendo a fé no homem e no seu processo civilizatório. Este filme é " A Vida dos Outros"
Desculpe ter sumido meu caro!
ResponderExcluirSo passei para avisar que ainda estou vivo..rs..
Abraço,
P.A.
Depois volto com calma para comentar!
ResponderExcluirAMO ♥ Central do Brasil!!! Roteiro, música, direção e principalmente a bacanérrima Fernanda Montenegro!
ResponderExcluirBj, saúde e Feliz Natal Evandro!!!
:-)
Olá, Evandro !!!
ResponderExcluirEm primeiro lugar parabéns pelo blog, mto bom mesmo, mto rico e super bem escrito!
E qto ao filme, eu amo Centrl do Brasil, todo ele em conjunto, filme pra ver, rever, qtas vezes forem. E a Fernanda, dispensa qq tipo de comentários!
Sorte e sucesso e Feliz Natal!
Abs,
Ola eu tinha um blog que seria dedicado a fragmentos dos livros que li, mas agora a proposta é colocar pensamentos dos livros que li de Clarice Lispector
ResponderExcluirTe vejo lá
http://estouvindoclarice.blogspot.com
Seu blog está cada vez melhor, sério. Tuas opiniões são sempre as melhores! A vida dos outros é muito, muito bom. E olha que enm é o 'estilo' de filme que gosto.
ResponderExcluir'Central do Brasil' é, de fato, um filme que nunca me canso de ver. Ele é fantástico. Amei a sua resenha sobre ele, meu amigo.
ResponderExcluirJá o 'A Vida dos Outros' nunca vi, mas na primeira oportunidade, farei isso ;)
Um forte abraço e tenha uma ótima semana!
Te espero lá no blog.
www.nicellealmeida.blogspot.com
Olá, sempre muito bom seu blog. Eu vi Central do Brasil e não há como negar, o filme é maravilhoso. Somado a magistral interpretação da grande Fernanda Montenegro, é um desses filmes que não se esquece jamais.
ResponderExcluirEu fui na central do Brasil, aparentemente nao e tao ruim assim
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