terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Vamos comer Caetano em 90 garfadas
Para uns, ele tem sido bússola. Para outros, desorientação. De um jeito ou de outro, Caetano Veloso sempre foi mais do que cantor e compositor. Nas últimas quatro décadas, provocou polêmicas com músicas, comportamentos e opiniões. Recusou o papel de guru. "Não precisa ninguém me acompanhar", cantou. Mas nunca deixou de expor suas idéias. E o fez com eficiência, aliando articulação e uso da mídia.
Esse Caetano articulista, prosador, ensaísta em seus melhores momentos, emerge de O mundo não é chato, uma coletânea de textos organizada por Eucanaã Ferraz que sai pela Companhia das Letras. São artigos, releases e críticas, escritos em diferentes momentos. Uma viagem que começa com os primeiros textos do jovem crítico de cinema dos anos 60, passa pela correspondência gerada no exílio londrino dos anos 70 e chega ao discurso mais recente. É um papo sobre qualquer coisa: da censura ao amor, da estética à política, da sexualidade à manipulação da imprensa.
Como afirma Ferraz, na apresentação da obra: "A escrita de Caetano impressiona sobretudo por sua visão dos matizes a meio de uma coisa e outra, por sua procura extremada, e nunca concluída, por um ponto em que instalar a palavra, apta a exercer sua razão ética, estética e política". Para Ferraz, a prosa de Caetano é um posicionamento político. Um olhar político sobre a música, o brasileiro, o Brasil e sobre ele mesmo.
O livro reúne 90 textos, divididos por temas: Brasil, música, discos, cinema, teatro e literatura, gente, estrangeiro e prosa, com impressões, opiniões e desabafos. Organizados sem ordem cronológica, deixam fluir o sentimento instantâneo, revelando o que pensa o artista no momento em que fala de uma peça, de um fenômeno cultural, do exílio, ou de outro personagem do cenário cultural.
Ao deixar Santo Amaro da Purificação, no interior da Bahia, aos 18 anos, Caetano Veloso encontrou na Salvador do início dos anos 1960 intensa atividad e cultural. Ainda sem um rumo definido, Caetano vive essa agitação cultural e dá os primeiros passos na carreira musical.
Ao mesmo tempo, amante do cinema, em especial, do cinema italiano, escreve críticas para os jornais Diário de Notícias, de Salvador, e O Archote, de Santo Amaro da Purificação. Os textos revelam um Caetano articulado, apesar de uma linguagem ainda rebuscada, mas com uma noção clara da função de crítico: "E a missão dos críticos não pode ser ensinar-nos o que é cinema, mas induzir-nos a estudá-lo; é espicaçar no espectador inteligente a curiosidade sobre a arte cinematográfica; é levá-lo a procurar ler os compêndios que já foram escritos sobre a cinestética. É orientá-lo".
Em 1969, depois de dois meses presos, e de um período de confinamento na Bahia, Caetano e Gilberto Gil são "convidados" a deixar o Brasil e vão para Londres. Caetano passa a escrever suas impressões de exílio para O Pasquim. Nas páginas do jornal carioca, o músico baiano solta o verbo e responde a críticas feitas pelo poeta Ferreira Gullar a João Gilberto e Sérgio Mendes; analisa a música pop nos anos 70; fala sobre um novo disco de Gal e mostra todo o saudosismo ouvindo Luiz Gonzaga e Maria Bethânia. Foi nas entrelinhas dos artigos, no entanto, que Caetano deixou transparecer o quanto o exílio o marcou. Reflexões sobre a vida em um outro país, uma língua diferente.
Pouco tempo depois, em 1972, já de volta ao Brasil, Caetano passaria de colaborador a alvo de críticas da turma do Pasquim. A principal delas estaria relacionada a uma suposta decepção política em relação ao músico baiano. Talvez para responder ao jornal, Caetano escreve um artigo para a revista Verbo encantado, de Salvador, no qual desabafa: "Estou contente, até certo ponto, de vez que, como eu esperava a minha volta ao Brasil, a minha decisão de vir morar aqui no Brasil deixou à vontade pessoas que tinham necessidade de discutir e não apenas louvar o meu trabalho". E vai além: "Mas acontece que não só alguns saudavelmente se descontraíram para reiniciar um papo comigo, como também alguns outros se alvoroçaram doentes para me esquartejar e me lançar ao caldeirão".
São ainda dos textos dos anos 70 que emergem algumas referências a nomes como Milton Nascimento, Elis Regina, Jorge Mautner e Jorge Ben, hoje Jorge Ben Jor. Amigos e parceiros a quem Caetano dedica palavras de admiração e carinho. Sobre Milton, Caetano derrete-se: "Milton é nossa grande alegria". Para Elis, manda um recado: "O show business é um bichopapão muito bonito e você engole ele: essa é a mensagem que você passa pra todos os seus colegas de profissão". Em Jorge Mautner e Jorge Ben, Caetano destaca a liberdade criadora, um tanto anárquica.
Em certo momento, Caetano relembra os Doces Bárbaros - reunião com Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa em 1976 - e narra a prisão de Gil e do baterista Chiquinho Azevedo, em Florianópolis, detidos por porte de maconha, durante excursão do show. Caetano: "Nós não saímos para discutir as leis nem a moral. Nem a religião, nem a política, nem a estética. Nós não saímos para discutir. E não discutiremos".
A forte ligação entre Caetano e a irmã Maria Bethânia está refletida em dois textos, um feito para a apresentação do livro Maria Bethânia (Intersong), de Marisa Alvarez Lima, e outro para a revista Careta, do Rio de Janeiro, ambos de 1981. É com carinho e poesia que Caetano a descreve como "pequena e franzina, que deixa o espírito sair pela boca e queima a carne com a luz dos olhos".
Sem unidade, que de resto não se pode cobrar de uma reunião de textos de natureza tão distinta, o livro de Caetano tem o mérito de resgatar o calor do momento - e alguns deles foram realmente quentes. No lugar do filtro do retrospecto, que faz de Verdade tropical um grande ensaio memorialístico, o fragmento, a sacada, a resposta de bate-pronto. Ninguém precisa concordar com Caetano para admitir que, com ele por perto, o mundo não é chato.
Que maravilha de post, super informativo. Aprendi coisas que n sabia a respeito do grande Caetano. Ele é fantástico! Adorei saber da coletânea. Esta reunião de textos foi, com certeza, uma ótima idéia ;)
ResponderExcluirUm forte abraço, meu amigo.
Te espero lá no blog!
www.nicellealmeida.blogspot.com
Ai, estou com vergonha de escrever...hehe, mas eu não sou fã do Caetano. Claro, que eu sei que ele é o cara, tenho até um cd que ele canta em espanhol, mas sei lá... sempre preferi o Chico. E também acho que o Caetano perdeu a sintonia na música... Mas, quem sou eu para falar?
ResponderExcluirBeijos
Evandro que delícia de livro!
ResponderExcluirBela dica!
Vou comprar!
Abraço!
MPB não faz o meu estilo, mas respeito, principalmente Caetano, que foi polëmico, lendo sobre ele não fico certo se ele foi polëmico por ser mesmo ou forçado, o importante é que funcionou. Tenho curiosidade de ler o que ele escreveu sobre o exílio. Encontrei vc no blog Oitavo Anjo.
ResponderExcluirCaetano é um dos caras que eu adoro e cada vez entendo mesmo. Por isso que adoro. Haha. :)
ResponderExcluirVocê escreve tão bem, impressiona, sério. Se não soubesse que é jornalista ia falar pra ser! hahaha
Apesar de achar que Caetano tem feito e falado algumas besteiras ultimamente, é indiscutível a sua importância e brilho para a cultura brasileira. Parabéns pelo texto!
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