sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Inês Pedrosa - Faz me falta




Quando você abre um livro, das duas uma: ou você o devora ou você se esforça para chegar ao fim. Nestes últimos dias ‘devorei’ FAZES-ME FALTA da escritora portuguesa Inês Pedrosa (Rio de Janeiro, Alfaguara, 2010). É leitura que recomendo. Para estimular possíveis leitores, transcrevo o texto da contracapa e alguns trechos que sublinhei. Sempre recebemos e-mails recheados da idéia de que não devemos deixar de demonstrar nossos afetos aos que amamos. Nessa obra de Inês Pedrosa, tal idéia atravessa o livro todo, através do desejo de um novo encontro entre os dois personagens: um querendo voltar à vida para fazer o que não fez e o outro querendo morrer, para, igualmente, realizar o que não logrou no relacionamento entre ambos. Uma nova possibilidade de encontro, uma nova chance de buscar a felicidade que antes, por motivos vários, não fora percebida que estava ali, ao alcance das mãos.
O leitor quando abrir esse livro vai se deparar com um dispositivo narrativo de extrema simplicidade: duas vozes apenas, que, ao longo de cinquenta blocos textuais, a que, pela sua episódica brevidade, não chegaremos a chamar capítulos, se cruzam numa espécie de diálogo espectral. Uma dessas vozes é feminina, e é a ela que cabe a iniciativa de convocar os temas. A outra voz, que viremos a saber que é mais velha, pertence a um homem. Poderíamos pensar, segundo as convenções de leitura para que estamos preparados, que entre estas duas personagens existe sobretudo uma relação passional. Mas aquilo que as une é de uma outra ordem - e de certo modo o livro não faz mais do que ir à procura do nome exato para essa ordem, o nome apropriado para esse tecido de palavras que une, enreda, compromete, envolve estas duas vozes.

“O pior aconteceu-me cedo, tive sorte. Deus procura primeiro os que sofrem antes do conhecimento específico da dor, talvez porque os outros sabem demasiado para poderem ser salvos”.

“O cheiro do amor vedado que abandonáramos pela paisagem na nossa pré-história. Chamo-lhe amor para simplificar. Há palavras assim, que se dizem como calmantes. Palavras usadas em série para nos impedir de pensar. O que existia, existe, entre nós, é uma ciência do desaparecimento. Comecei a desaparecer no dia em que meus olhos se afundaram nos teus. Agora que os teus olhos se fecharam sei que não voltarás a devolver-me os meus”.

“Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes, eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso”.

“Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de falta que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer”.

“Como é que eu mato a tu morte?”

”O abraço que me deste naquele fim de ano, já lá vão doze anos – terei sabido recebê-lo? Alguma vez te abracei como merecias?”

“Amar em abstrato é muito mais ágil do que amar em concreto”.


“Tomei a amizade como uma versão adulta e vacinada do amor, o que significa que transferi para a casa dela a artilharia pesada do meu batalhão de afetos. Substituí o Príncipe Encantado pelo Amigo Maravilhoso, que eras tu. ... Nada nos poderia separar, porque estávamos naturalmente livres das armadilhas do desejo, da via-sacra da posse e do sacrifício. Quanta candura. Uma vida inteira desperdiçada em candura – e nem sequer tive tempo para mudar o mundo”.

“Nós éramos um do outro e não o descobrimos, preferimos respeitar os protocolos de nossa era, dar prioridade à voz obrigatória do corpo. Nós éramos um do outro de outra maneira – de uma maneira escura, espessa, transcendente”.

“Sempre fui nostálgica, sobretudo do que não chegou a acontecer”.

“Morri tantas vezes antes de morrer – morri sempre que o amor parava, e o amor estava sempre a parar dentro de mim”.

“...todo o saber chega demasiado tarde. Demasiado tarde. São estas as palavras mais tristes de qualquer língua”.

“...tu, aquele que mora na noite do meu pensamento destroçado”.

“E seria outro. Quantos restos de ti fazem parte de mim”.

“...preciso de abraçar aqueles que um dia souberam ser amados por mim, todos os que se deixaram imaginar pelo precipício, criaturas fugitivas que me alongaram a sombra ao partir. Escorrerá alguma sombra de mim no pensamento de suas vidas?”

“Pode-se dormir no ombro de alguém uma vida inteira e morar noutros corpos, que nunca se tocaram”.

“Porque tu morreste, experimento pela primeira vez o sopro da eternidade – acredito agora que há um lugar do lado de lá onde tu me esperas”.

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