segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Madame Satã

Domingo a noite, nada melhor do que ficar na cama e ver um bom filme, nesse caso, rever, o escolhido foi Madame Satã, obra do diretor cearense Karin Aïnouz.


Com clima negro e tenso e cenas fortes, o roteiro, também de Aïnouz, conta a história de João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã, um artista transformista que sonha em se tornar um grande astro dos palcos. A história, que se passa no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro em 1932, é baseada no mito real, e retrata o ambiente vivido por João e as pessoas que o rodearam, bem como seus amigos e inimigos. Ele viveu numa casa de aparência muito pobre num bairro de prostituição (Lapa), com Laurita, uma prostituta, a bebê Firmina, filha de Laurita e Tabu, um amigo. Viveu também uma paixão problemática, censurada e proibída com Renatinho, que se mostrará um traidor e “mercenário”. Foi assim a vida de João Francisco dos Santos, que posteriormente irá se autodenominar Madame Satã, nome retirado do filme “Madam Satan (1932)”, de Cecil B. deMille, que João viu e adorou. Como se não bastasse as qualidades técnicas constantes em todo o filme, o diretor e roteirista ainda insere em sua obra diálogos ótimos, todos que expressam intimamente a personalidade de cada personagem. Por vezes fortes, por vezes sensíveis, eles sempre vêm em hora certa para fortificar emocionalmente ainda mais uma cena ou seqüência. Diálogos os quais citados isoladamente, sem contexto, podem até não ter vida ou sentido. Em meio a uma briga, por exemplo, o personagem-título do filme diz: “Sou bicha mas não deixo de ser homem por causa disso, não”.
 O forte do longa está mesmo em seus diálogos ou em suas cenas de sexo e violência verbal. Como um dos pontos fortes do filme, o elenco, que é liderado por Lázaro Ramos, um ator completo e que interpreta brilhantemente bem o protagonista João Francisco. Em seu papel, Lázaro constrói seu personagem perfeitamente ao claro objetivo do roteiro, que é a de um homem obscuro, violento, temperamental, mas que esconde um homem que sabe amar a todos, sejam eles homens, mulheres ou crianças e tem um incrível carinho ao dono do bar Danúbio Azul, no qual pretende trabalhar. E a quem ele ama, é capaz de dar sua própria vida. Além de tudo, João é sonhador e seu sonho é ser uma estrela da noite carioca ao dançar e cantar. Sua atuação final, diga-se de passagem, é memorável acompanhada de ótima música. O ator também mostra sua flexibilidade, que é um de seus mais admiráveis pontos, em uma cena, na qual está muito feliz pois irá com seus amigos ao um bar “chique” da cidade e que, um minuto mais tarde, se transforma praticamente em outra pessoa, mudando bruscamente de temperamento. Além de Lázaro Ramos, merecem destaque Laurita, amiga de João, interpretada por Marcélia Cartaxo, Tabu, amigo de João, interpretado por Flávio Bauraqui e Renatinho, amante de João, interpretado por Felippe Marques. Marcélia, primeiramente, interpreta ótima e exemplarmente Laurita, uma mulher incompleta e que se arrepende por ter tido uma filha, cujo verdadeiro pai a menina não irá conhecer, e que vê em seus amigos, Flávio e João, as únicas pessoas que tem em sua vida. Flávio Bauraqui, segundamente, interpreta o homossexual Tabu, um personagem difícil, porém não mais complexo que João. Aqui, Flávio tem que mostrar seu talento ao retratar uma pessoa que tenta, de todas as maneiras, esquecer os problemas e apagar alguns traumas do passado dos quais se arrepende até os dias de hoje. E finalmente, Felippe Marques mostra seu ótimo talento ao incorporar o personagem Renatinho, inicialmente amante de João, que se tornará um interessante inimigo. A atuação deste é a mais forte e dona de um dos melhores momentos do longa, o qual ele e João se conhecem e têm sua primeira relação sexual juntos. Desde os primeiro olhares trocados pelos dois, sentimos a vibração e talento emanados pelos atores, quão natural se fizeram a cena. Obs.: A ausência da trilha sonora aqui é primordial. Tudo isso com ótima fotografia de Walter Carvalho, que revela bem todos os ambientes escuros nos transpotando a sujeira da Lapa dos anos 30. A Direção de Arte, por Marcos Pedroso, constrói ótimos cenários da época, visando reviver os bares e casas de prostituição da região. Pedroso foi feliz, principalmente, ao construir o quarto de João, onde ele recebe seus “clientes” ou amantes. Raro acontecer em obras nacionais, a maquiagem também merece seus elogios, por transformar naturalmente bem os personagens transformistas. Resumindo, o filme traz uma bela e memorável (assim como todas) atuação de Lázaro Ramos, bem como uma trilha sonora irretocável.





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