sábado, 6 de novembro de 2010

Mário de Andrade - O poeta come amendoim

Abaporu -1928

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade...
Será o que Nosso Senhor quiser!...

Estou com desejos de desastres...
Com desejo do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido...
Tenho desejos de gemer e de morrer...

Brasil...
Mastigando na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...

Brasil amado não porque sejam minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Morro da Favela - 1924

3 comentários:

  1. Ola, é cedo p visitar um blog? rsrs
    Obrigada por me visitar.
    Aqui encontrei um blog de gostos simples, mas tmb sofisticados e distintos.
    Parabéns pelo poema postado, lembrei do Brasil de 1800, nai vivi essa época, rsrs, mas estou lendo "1822" (Laurentino Gomes).
    O blog está perfeito assim.
    Abraços.

    tmb te sigo.

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  2. Por favor, gostaria muito de saber o significado da frase: o desastre verdadeiro foi embonecar esta república temporã??? De acordo com a escravidão, o império, as conspirações e a libertação dos escravos. Preciso muito saber, obrigada desde já.

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    Respostas
    1. é mais uma forma de expressão literária ou sentido figurativo do texto, só uma imitação da língua errada do povo brasileiro.

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