quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Em 09 de dezembro de 1977 Clarice nos deixava...




 Texto publicado no Jornal do Brasil:

" Falando em voltar para casa, sem saber da gravidade de sua doença, Clarice Lispector morreu ontem no Hospital do INPS, no Rio, e será sepultada amanhã no Cemitério Israelita. A família e os amigos pediram a todos que respeitassem um desejo antigo da escritora:
não fotografassem seu corpo morto.
10 de dezembro de 1977

Não ouve ainda quem contrariasse um antigo desejo da escritora: não ser fotografada depois de morta. De fotografias Clarice Lispector nunca gostou muito nem enquanto viveu, até ontem às 10h30 da manhã. Seu corpo, levado do Hospital do INPS da Lagoa, no Rio, onde permancera internada desde 16 de novembro no quarto de número 600, foi removido para o Cemitério Comunal Israelita, no bairro do Caju, e será sepultado amanhã às 11h. O velório de Clarice, que nasceu na Ucrânia e viveu no Brasil desde os dois meses de idade, só será realizado horas antes do enterro.
A escritora de 56 anos, não sabia da gravidade de sua doença, câncer generalizado, e muito menos que os médicos haviam perdido qualquer esperança de salvá-la após uma delicadíssima e frustrada intervenção cirúrgica no começo de novembro. Sua amiga e enfermeira particular Ciléia Borelli disse que ela passou em claro sua última noite, bastante agitada mas sempre lúcida: "Clarice conversava muito, mantinha-se sempre atenta, dando mostras de que
era uma pessoa dotada de um espírito de observação privilegiado. Além disso, ela nada sabia sobre sua enfermidade e demonstrava, em todas as conversas, seu otimismo e sua vontade de voltar logo para casa.
A morte encerrou uma convivência de vários anos, pois Ciléia se tornara a dama de companhia da escritora há vários anos, quando ela teve que ser internada com várias queimaduras pelo corpo, sofridas durante um incêndio que destruiu a casa onde morava. No hospital, poucos amigos, as irmãs Elisa (também escritora) e Tânia, o filho Paulo, alguns parentes. E os escritores Nélida Piñon e Autran Dourado, que seguiram para o hospital após a notícia da morte. Nélida explicava ao repórteres sobre a proibição das fotografias; Dourado permaneceu vários minutos em silêncio junto ao corpo de Clarice coberto por um lençol, na capela. Outra amiga, a bailarina Gilda Murra, lembrava a alegria que sentiu ao ler uma crônica de Clarice sobre sua dança.
Os parentes, que esperaram durante horas a remoção do corpo para o Cemitério Israelita na improvisada e suja capela do hospital, não quiseram fazer declarações à imprensa. Elisa e Tânia, as irmãs, não choraram, mas as expressões de sofrimento e cansaço mostravam que elas já haviam feito isso antes. Pouco antes da chegada da ambulância da Santa Casa que levaria o corpo de Clarice ao cemitério, Vilma, a esposa do ministro Nascimento e Silva, da Previdência Social, compareceu à capela. Com um vestido escuro, fumando muito, ela falava da honra de ter recebido uma das últimas dedicatórias de Clarice, em seu recente livro "A Hora da Estrela".
__ O livro me foi entregue por Nélida Piñon, explicava Vilma, e a dedicatória foi feita com letra tremida. Fiquei sabendo que ela o autografou no próprio leito onde estava. Nós éramos grandes amigas dela e sentimos muito sua morte. Também será uma grande perda para a literatura brasileira.
A escritora, que submetera-se à operação na Clínica São Sebastião, acabou sendo removida para o Hospital do INPS graças ao interesse do ministro Nascimento e Silva. A ambulância esperada chegou às 15h, trazendo uma urna simples de madeira, onde foi colocado o corpo. Antes da saída, novamente o mesmo pedido de que fosse respeitado o desejo de Clarice e ninguém fizesse fotos. Ninguém fez.
A viagem para o Cemitério Israelita durou 20 minutos. Apenas a ambulância entrou, ficando parents e amigos do lado de fora. Os grandes e pesados portões de ferro foram imediatamente fehcados, enqunto informava-se que o corpo estava sendo colocado em câmara mortuária onde permanecerá até amanhã, quando começarem as cerimônias judaicas. "Clarice não era devotada à religião, mas sua família resolveu dar-lhe um enterro conforme os rituais judáicos. Ela era um ser humano excepcional, uma pessoa profundamente delicada e discreta, que jamais dissociou sua obra da vida. Ela como ninguém conseguiu dominar a língua brasileira e, embora ucraniana de nascimento, acabou sendo mais brasileira do que muitos que aqui nasceram", disse Nélida, no lado de fora do cemitério. Disse também que Clarice não gostava muito de falar sobre sua obra nem dos projetos literários para o futuro, "embora fosse uma escritora com bastante vitalidade e vontade de trabalhar em seus livros".
Clarice Lispector era desquitada do diplomata Maury Gurgel Valente, atual embaixador brasileiro na ALALO, no Uruguai. O casal teve dois filhos: Paulo, que reside no Rio e assistiu à morte da mãe, e Pedro, o mais velho, que vive com o pai."





  "Clarice,veio de um mistério, partiu para outro.Ficamos sem saber a essência do mistério.Ou o mistério não era essencial,era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,onde a palavra parece encontrarsua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice viveu por nós em forma de história em forma de sonho de história em forma de sonho de sonho de história(no meio havia uma barata ou um anjo?) não sabemos repetir nem inventar.São coisas, são jóias particulares de Clarice que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,carteira de identidade, retrato.De Chirico a pintou? Pois sim.O mais puro retrato de Clarice só se pode encontrá-lo atrás da nuvem que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,tentativas de Clarice sair de Clarice para ser igual a nós todo sem cortesia, cuidados, providências.

Clarice não saiu, mesmo sorrindo.Dentro dela o que havia de salões, escadarias,tetos fosforescentes, longas estepes,zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,formava um país, o país onde Clarice vivia, só e ardente, construindo fábulas.Não podíamos reter Clarice em nosso chão salpicado de compromissos.

Os papéis,os cumprimentos falavam em agora,edições, possíveis coquetéis à beira do abismo.Levitando acima do abismo Clarice riscava um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.Fascinava-nos, apenas.

Deixamos para compreendê-la mais tarde.Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice."


Carlos Drummond de Andrade, 09 de dezembro de 1977.

10 comentários:

  1. Nem tinha me dado conta desta data..olha se não fosse vc para lembrar...Abraço..

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  2. Estou seguindo seu blog,gostei mt das postagens

    bjs...

    http://anateeles.blogspot.com/

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  3. Como não seguir um blog tão fantástico como esse? *-*
    Adorei e sou super fã de Clarice. Já li bastante sobre ela e alguns livros também. Parabéns pelo texto.

    http://distractingpages.blogspot.com/
    (se puder, passe por lá)

    beijinho

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  4. Deixou uma obra fantástica e cultuada.

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  5. Belo texto, realmente não há como esquecer de Clarice, pois desde o colégio ela é sempre exemplo e conteúdo de estudos...
    Fantástica lembrança, afinal ela é e sempre será inesquecível, insubstiuível...
    E quanto as exigências dela e da familia, achei bem lógico, realmente não ha porque tirar fotos de alguém morto, e vivemos com tantas tecnologias atualmente que na internet se vê cada imagem de mortos, acidentados, acho isso uma falta de intimidade, de respeito...

    Forte Abçs

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  6. Também sinto assim, como se ela tivesse vivido por mim, experimentado coisas para me contar como são, para me preparar.

    Linda Clarice, para sempre.

    * Passando para conhecer teu blog. ;)

    ℓυηα

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  7. É muito importante ter comentários desses. Muito, muito obrigado.

    Estou seguindo este seu canto :)

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  8. Evandro, em relação ao texto Sobre Clarice Lispector, simplesmente, execelente, uma pessoa reservada, que usava o poder de suas palavras excepcionalmente bem colocadas, para levar ao seu leitor algo diferente, surpreendente. Agora gostaria de agradecer as palavras sobre neu blog no comentários que deixou, fico feliz.

    Estou le seguindo e peço que vá ao meu blog para pegar o selo ao qual o indiquei.

    Abraço!!
    http://sem--hipocrisia.blogspot.com/

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  9. 33 anos sem ela.

    Adoro aqui, já falei? Você sempre escreve muito bem, não é a toa que é jornalista, poxa! Mostrei esses dias seu blog pra um amigo e ele até favoritou no PC dele.

    Parabéns, Evandro!

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  10. POw kra, queria mesmo conhecer um blog que me ajudasse a entender melhor a história de Clarisse Lespector, me aprofundei a história dela a pouco tempo mas me apaixonei pela maneira que ela escrevia.
    VLW MESMO e parabéns pelo bom gosto ae sou fã dela.
    to te seguindo, e se quizer dar uns bizus lá no meu pode ir..
    Abraços

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