domingo, 9 de janeiro de 2011

Lúcio Cardoso e sua "Crônica da Casa Assassinada"



Se você, assim como eu, não é mineiro, possivelmante não conheça Lúcio Cardoso. Chegou a hora de conhecer esse, que é um dos melhores ficcionistas brasileiros.

Conheci Lúcio Cardoso ao ler a biografia de Clarice Lispector, escrita por Nádia Batella Gotlib, segundo Nádia eles se conheceram, em 1940, Clarice tinha 20 anos, e Lúcio - brilhante e sedutor -, 28. Mas era um amor impossível: Lúcio era um homossexual assumido. Havia, porém, um segundo impedimento: os dois eram "parecidos demais". Mesmo assim, especula Nádia, foi esse amor não correspondido que levou Clarice a cultivar a solidão - condição essencial para a escrita. Mais que isso: foi o fracasso no amor que a empurrou para a literatura. Foi Lúcio Cardoso quem sugeriu o título de seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1943). Foi ele, ainda, quem lhe mostrou que as anotações dispersas, que ela tomava às tontas e pareciam incoerentes, eram, na verdade, o seu método.

Lúcio Cardoso nesceu em Curvelo, Minas Gerais, em 1913, Joaquim Lúcio Cardoso Filho logo se transferiu para Belo Horizonte, onde completou sua formação escolar, e, depois, para o Rio de Janeiro. Foi na capital fluminense que, recebendo as influências do ambiente intelectual que freqüentava e de inúmeras leituras, iniciou suas experiências literárias.

Gostaria de propor a leitura do livro que considero uma obra prima da literatura mundial, Crônica da Casa Assassinada (1959).

O romance acompanha a ruína de uma aristocrata família mineira. Uma saga que se desenrola nos limites de uma casa de fazenda. A casa desempenha o papel principal: os personagens são feitos do cimento da casa e esta, da carne dos seus habitantes. A perspectiva dos temores que habitam a casa, da casa que sangra, que sofre, que abriga os mais trágicos segredos.

Lúcio Cardoso revela pendor para criação da atmosfera de pesadelo e de sondagem interior a que lograria dar uma rara densidade poética. Aproveita as sugestões do surrealismo, sem perder de vista a paisagem moral da província que entra como clima nos seus romances.

Crônica da Casa Assassinada reconstrói de maneira admirável o clima de morbidez que envolve os ambientes e os seres. Fixa a angústia de um amor que se crê incestuoso. Em vez de referências diretas, são as cartas, os diários e as confissões das pessoas que conheceram a protagonista (e dela própria), que vão entrar como partes estruturais do livro, tornando a narrativa incomum e que costuram com maestria a história dos Meneses, centrada na presença de uma mulher desconhecida..

Crônica da casa assassinada surpreende antes de tudo pelo seu fôlego, e também pelo uso apropriado e coerente de vários instrumentos narrativos, cada um deles a cargo de um narrador diferente. Enquanto viaja devagar por uma trilha escura, à margem da qual se sucedem os sinais de desvios psicológicos e conflitos de natureza moral, o leitor testemunha a demorada queda da casa dos Menezes, tradicional família mineira - esse reduto de dominação e violência discreta que o autor fez questão de atacar sem piedade.

A agonia de Nina, protagonista da obra, sua alma libertária presa a um corpo carcomido pelo câncer, é a ramificação da metástase que condena a casa e contagia seus habitantes com a degenerescência da propriedade produtiva transformada em um cemitério de mortos-vivos.

As flores, violetas, marcam as estações dos personagens, os enganos, a vida na realização do amor no canteiro de um homem jovem, as tantas mortes, a ressurreição possível na imortalidade dos genes e a prisão a que estão condenados os homens resignados.

A essência do livro, Lúcio desenharia em linhas duras, num depoimento na época do lançamento: "Meu movimento de luta, aquilo que viso destruir e incendiar pela visão de uma paisagem apocalíptica e sem remissão é Minas Gerais. Meu inimigo é Minas Gerais. O punhal que levanto, com aprovação ou não de quem quer que seja é contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família mineira. Contra a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a religião mineira. Contra a concepção de vida mineira. Contro a a fábula mineira" 


21 comentários:

  1. Evandro, primeiro queria reafirmar que estou encantado com seu blo. Me sinto em casa e até me assustei, pois suas referências são muito parecidas com as minhas, música e literatura. Como bom mineiro eu li Lúcio Cardoso e fiquei encantado com sua obra. Sem dúvida Crônica...é sua obra prima.A relação dele com a Clarice é outro capítulo que merece ser desvendado pelos leitores. Um abraço!

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  2. Eu conheço e já li tudo dele!

    No entanto, Crônica da casa assassinada foi o mais difícil de todos.

    http://vemcaluisa.blogspot.com/search/label/L%C3%BAcio%20Cardoso

    Tem uma tag dele no meu blog.

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  3. Não sou mineira, mas conheci Lucio através de Clarice Lispector, seu amor.

    :)

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  4. Olá Evandro, não conheço a obra do Lúcio Cardoso, apesar de recentemente ter lido um texto do Silviano Santiago em que ele fazia referência a "Cronica da casa assassinada. Lerei.
    Aproveito para dizer que adorei o seu blog. Muito bom mesmo. Seguindo.

    Abraço.

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  5. Primeiro gostaria de agradecer o comentário no blog. Ele foi sugestão de uma professora, porque sempre escrevi em cadernos, folhas à parte e depois ia tudo para o lixo. Ele é pequeno, na verdade achava que era só meu... rs, mas como você disse é do mundo todo.

    Sobre a sua postagem, confesso que não conheço nada sobre o Lúcio Cardoso e sua obra. Mas é sempre agradável conhecer novas coisas, ainda mais de referência literária.

    Ultimamente o que quero muito, muito mesmo ler é Caio Fernando Abreu, praticamente em todos os lugares que passo, leio o vejo citado e estou muito curiosa.

    Falei, bastante.
    Parabéns pelo blog!!!

    Um abraço.

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  6. Não conhecia nda sobre Lúcio Cardoso, pela sua descrição fiquei curioso...
    Abçs

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  7. Adorei conhecer um pouco sobre ele..
    tenho um selo pra vc nno blog...
    Beijos

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  8. Boa tarde.
    É bom encontrar um blog como o seu.
    Conheci Lúcio Cardoso lendo a biografia de Clarice Lispector também.
    E me emocionei ao ler a crônica "Lúcido Cardoso", escrita por Clarice. Creio que conheces.

    Tenha uma ótima semana, Evandro: com paz, sempre.

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  9. Muito Obrigado por ter passado no meu blog, o seu blog é muito bom parabéns, espero trocar muitas informação e idéias com vc, muito obrigado pela visita.

    http://gabriellduarte.blogspot.com/

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  10. Querido, obrigada pela visita e é claro que agora vou sempre passar por aqui... mil beijos

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  11. Crônica da casa assassinada é muito bom!!!! Eu so li essa obra do escritor.

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  12. Confesso que não o conhecia, mas já me interessei. Parece bem forte este livro. ou procurá-lo.


    beijos

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  13. Meu caro Evandro, confesso que ainda não li nada sobre o Lúcio Cardoso. Como o seu blog é uma fonte inesgotavel de conhecimento, me sinto seduzido a me inteirar mais sobre ele.

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  14. Só agora tive um tempinho de passar por aqui, confesso que desconhecia esse escritor e sua postagem me despertou interesse em conhecer.

    Como sempre ótimo post

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  15. .

    Olá, Evandro!

    Sempre um prazer receber sua visita, e melhor ainda passar por aqui.

    Realmente, não conheço a obra do Lúcio Cardoso, mas me interessei bastante, inclusive por saber do seu envolvimento com a Clarice. Ainda não tive a oportunidade de ler a biografia da Clarice por Nádia B. Gotlib, mas está na minha lista de espera.

    Vejo que aparecerão muitos livros aqui para aumentar minha lista. Sempre ótimas sugestões.

    Beijos

    .
    .

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  16. Legal Evandro,
    excelente resenha. Sua dica foi anotada.

    beijos

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  17. SIM!!! Maravilhoso, denso e inesquecível romance!
    Norma Bengell foi Nina, e Carlos Kroeber, Thimoteo, no filme de Paulo Cesar Sarraceni, de 1971 -> http://www.imdb.com/title/tt0198360/
    Abç!

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  18. Oi Evandro, tudo bem? Fique super feliz com sua visita em meu blog...Não me lembro de já ter passado por aqui, mas te garanto que da visita de hoje nao me esquecerei, pois quando entrei e li seu "Quem sou eu" me vi descrito, visto que tb sou sagitariano hehe'.
    Bom não conheço Lucio Cardoso mas posso imaginar o que Clarice sentiu ao ver que seu amor nao poderia ser correspondido!!!

    Vou te seguir tá..Adorei aqui.

    Um grande abraço, Dand ^^

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  19. O autor mais intenso da literatura brasileira.

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